terça-feira

Carlos

Carlos não sabia bem o que fazer com os sapatos de couro marrom, mas considerou uma boa escolha tê-los. Poderia levá-los para dançar ou a uma boa casa de massas, se assim desejassem; era uma questão de humor que facilmente se resolveria com uma conversa franca diante da cama. Talvez tivessem algum atrito para escolher entre lasanha e guisado, considerando serem os mais deliciosos pratos criados pela humanidade. Mas a solução estaria na alternância. Quartas e domingos, lasanha. Terças e sextas, guisado.

Estavam polidos e não tinham rugas. Carlos imaginou que, se reluzissem, ela não perceberia que ele próprio estava tomado de sulcos entre os olhos e os cabelos ralos. Não saberia explicar em que momento as pregas foram cavadas em torno dos olhos. Sempre pensou que estaria pronto, mas acordar cinco anos mais velho todos os dias prejudicava a compreensão que tinha de si.

Titubeou antes de calçá-los. A barba coçou perto do queixo em sinal de reprovação. Uma falha na costura denunciava as décadas de dedicação. Justo agora.

Um comentário:

RDS disse...

A velhice é uma tristeza acumulada, ou seria a tristeza acumulada uma velhice, talvez acumular tristezas seja ficar velho, envelhecer triste talvez se acumule, entristecer é um acúmulo de velhice, acumular é uma tristeza envelhecida... chega de alterar os verbos, pode acabar virando um texto comunista!
Beijos e saiba que gosto de histórias entre humanos e sapatos.. só eles sabem pisar de verdade e não se preocupam com reticências com apenas dois pontos!